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quinta-feira, 23 de julho de 2009

Crtl C + Crtl V

BRINCADEIRA SÉRIA
"Faz de conta: você acordou, ligou para o salão e marcou um horário. Na hora do almoço, você foi lá e pediu: Corta bem curto. O cabeleireiro não acreditou no que ouvia. Afinal, seus quase cinquenta centímetros de cabelo sempre foram, na sua cabeça (literalmente), uma espécie de atestado da sua feminilidade. Mas agora eles teriam de ser curtos. Para que suas ideias ficassem longas. Ele colocou a mão um pouco abaixo do seu ombro: Mais ou menos aqui? Você segurou a mão dele, a colocou na altura da sua orelha, e disse: Tosa.
Depois você passou naquela loja onde tem uns vestidos moderninhos e coloridos. Você entrou e pediu aquele cor de laranja com borboletas, muito mais curto do que os que você costuma usar. Aproveitou e pediu a sapatilha da vitrine. Arrancou o seu terninho bege, sua camisa branca e seu escarpim marrom. Deixou tudo por lá mesmo, no provador. E quando a vendedora perguntou o que fazer com aquilo, você disse: Queima.
Quando você retornou ao trabalho, uma hora depois do horário de costume, com aquele vestidinho e com os cabelos daquele jeito, a roda em torno de você foi se formando. Uns, animadíssimos. Outros, nem tanto. Alguns reprovaram. Como as coisas já não andavam muito bem por ali, sua chefe lhe chamou no final do dia para conversar, e avisou que as coisas não poderiam continuar daquele jeito, ou ela teria que substituir você. E você disse: Substitui.
Saindo de lá deu vontade de jantar naquele bistrô aonde você acha que só deveria ir no dia do seu aniversário ou outra data importante. Você mal encostou seu carro e já veio o dono da rua, dizendo que eram dez pratas para parar ali. E, como você não deu bola, o homem começou aquela conversinha surrada dizendo, na entrelinha da entrelinha, que um eventual não-pagamento antecipado incorreria em riscos indesejáveis na pintura do seu bólido. Você pegou o celular, digitou três números, mostrou o visor para o homem e, já com o dedo na tecla “ligar”, disse: Risca.
Faz de conta que você chegou em casa e sua filha de dezessete anos estava na sala com o namorado. Você teve que contar de novo a história daquele vestido e daquele cabelo e, como chovia, sua filha sondou se o rapaz poderia dormir ali. E, enquanto jogava no lixo aquela agendinha que você só usava no trabalho, você disse: Pode.
Quando se deitou para dormir, aquele anjo que costuma vir conversar com você antes do sono se empoleirou na cabeceira da sua cama. Elogiou o cabelo, o vestido, a decisão no trabalho, o presente de não-aniversário, o chega pra lá no dono da rua, a atitude com a filha. Só por curiosidade, perguntou que bicho havia mordido você. E você, se ajeitando no travesseiro e já desligando o abajur, disse: Nenhum.
No dia seguinte, vendo que eram dez da manhã e você ainda não havia se levantado, sua filha entrou no quarto, vocês conversaram e no final ela perguntou como é que vocês viveriam dali para frente. Com certa ironia, ela arriscou dizer que com as bolsas e os badulaques que você produzia e vendia nos finais de semana é que não seria. E você disse: Sim.
À tarde, você procurou o dono daquele galpão que você havia visto para alugar, perfeito para uma oficina, e fez uma oferta. O homem coçou a cabeça, pediu um pouquinho mais, e você disse: Fechado.
À noitinha, você foi até a casa dos seus avós, assim, de surpresa. E, de surpresa, você os beijou. E quando eles perguntaram o que era aquilo, você disse: Amor.
Faz de conta que foi assim. Faz de conta que foi desse jeito que você virou a mesa. Que resolveu não perder mais tempo, fazer o que gosta e ser do jeito que você, só você, acha que fica mais bonita.
Faz de conta que você morreu. E que alguém lhe deu a oportunidade de voltar para um terceiro tempo.
Então, agora vai lá e faz tudo de verdade."
Retirado do blog Geléia Geral que por sua vez replicou o texto do blog Fio da Meada, de Silmara Franco.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Cara de paisagem

Apesar de ter me aventurado pela TV nos tempos de faculdade, considero as aulas práticas com a equipe montada pela parceria da Gazeta Mercantil com a TV Gazeta lá pelos idos de 2001 minha grande escola. Foi lá que aprendi a fazer cara de paisagem.
Lembrei-me disso ontem vendo o Profissão Repórter com o Caco Barcelos impávido diante da candidata derrotada do concurso Garota da Laje. A repórter Gabriela Lian também se manteve absolutamente neutra diante da chorosa garotinha desclassificada no concurso de miss prematura.
Até trabalhar na TV, eu chorava, abraçava, ajudava e encaminhava as pessoas. Não podia cobrir um enterro que me emocionava com a dor da viúva e filhos. Era um envolvimento sincero da minha parte, que rendia boas matérias, mas me deixava arrasada no fim do dia, dos meses, dos anos. O pessoal da redação se aproveitava disso e mesmo sendo repórter de Economia, vira-e-mexe lá estava eu num velório ou acompanhando a internação de um artista. Quanta emoção.
No jornalismo popular até isso que funciona, dá o tom de indignação diante da injustiça, coloca vida no que poderia ser mais uma notícia fria. Mas é uma ferramenta perigosa. É difícil dosar a interferência do jornalista na pauta e ao carregar a mão podemos mudar o fato, alterar "a cena do crime".
Na TV é pior ainda. A câmera já artificializa o fato. Não há quem não dê uma arrumadinha no cabelo quando vê um cinegrafista em ação. Isso já é uma interferência. E quando o repórter sacode discretamete a cabeça querendo simplesmente que o interlocutor continue falando e conclua o raciocínio, pode estar assinalando para a outra pessoa uma concordância com o que ela está falando, um incentivo [o "sim, estou ouvindo" se transforma em "sim, concordo com você, desce a lenha!"].
É por isso que repórter não mexe a cabeça, nem concordando, nem discordando. E muito menos faz careta. A mocinha pode se achar bonita, a mãe pode se sentir no direito de expor a filhinha de 5 anos, quem deve tirar suas conclusões e formar a própria opinião é o tele-expectador.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Corinthians e corinthianos

Comecei a gostar do Corintians na época da democracia corintiana. Era uma época efervecente em que as vozes contra a ditadura começavam a se multiplicar e, sem dúvida, aquele movimento num dos times mais queridos do Brasil ajudou a fermentar o espírito de mudança. O time de Sócrates, Wladimir, Casagrande, Zenon e Biro Biro trouxe nova mentalidade para o futebol na época, os jogadores colocavam as suas opiniões políticas, participavam das decisões do clube, e jogavam bola pra caramba.
Sempre mantive também uma simpatia pela torcida. E tudo ia bem até o Carnaval de 1999. Naquela época trabalhava como repórter de Economia de um jornal muito popular e, como nada acontece no cenário econômico nos dias de folia, fui escalada para fazer plantão cobrindo os desfiles e a apuração. Jornalista sofre.
Horas e horas de pé ao som da bateria, escrevendo e apurando enquanto os outros se divertem. No meu caso, se encontrasse uma história boa na concentração - algo que pudesse render uma boa notícia - tinha que correr pelo lado de fora do sambódromo, tropeçando em bêbados e seguranças, para chegar na dispersão e encontrar a mesma pessoa do começo do desfile para pegar suas impressões sobre a experiência. Corre pra lá, corre pra cá, tropeça em um, empurra o outro, lá fui eu cumprir meu dever de informar.
Foi tão cansativo que cheguei a acreditar que a apuração seria simples. Ledo engano.
Aquela manhã de sol a pino no Anhembi já prenunciava que o dia ia ferver...
A presença dos integrantes das escolhas estava mais ou menos 10 a 1 para a Gaviões contra todas as outras juntas - apesar de o desfile ter sido criticado por alguns especialistas (o que não era o meu caso porque não sei diferenciar um tamborim de um reco-reco) - e a cada voto a temperatura subia. Para espanto geral, exceto dos corintianos, a Gaviões empatou com a Vai-Vai, que naquele ano saiu com um enredo em homenagem a colônia japonesa.
Azar o meu. Se uma escola só tivesse ganho, a equipe de Variedades do jornal daria conta de cobrir sozinha, mas duas era mais difícil. Fui escalada para ajudar e no sorteio calhou de eu ir para o Bom Retiro enquanto a outra repórter foi para a Bela Vista. Até aquele momento meu coração corintiano falava mais alto e eu não via problemas em me juntar aos meus companheiros de torcida na comemoração.
Enquanto eu ia no carro do jornal dar a volta pela ponte da Casa Verde para chegar à sede da Gaviões, o pessoal da arquibancada cruzava o rio Tietê pelo cano da Sabesp mesmo. Quando cheguei na quadra, já estava lotada.
Encontrei bebezinho com camiseta do time, cachorrinho poodle pintado de preto e branco, consegui mais algumas histórias, mas nada agradava meu editor. Com o passar das horas, as ruas em volta da quadra também ficaram cheias. Era só alegria. Vendedores de rua rapidamente montaram diversas barraquinhas de cachaça e as doses não davam conta do tamanho da freguesia sedenta. Até o começo da tarde a organização da escola não tinha conseguido um fornecedor de cerveja para regar a festa e o pessoal se abastecia de pinga mesmo. Meu editor esperto, concluiu que isso ia dar confusão e me mandou continuar na cobertura. No meio da multidão vi alguns começos de briga, mas nada que a turma do deixa-disso não resolvesse.
Quando finalmente a cerveja chegou foi um tumulto só. O fotógrafo que me acompanhava se deu por satisfeito e ligamos para a redação para passar o texto e chamar o motoboy para buscar o filme (naquela época máquina fotográfica usava filme). Estava ditando o texto quando alguém arrancou o celular da minha mão. Era um modelo tijorola, daqueles que se carregava uma bateria extra na bolsa, mas era o único que eu tinha e pertencia ao jornal. Gritei, mas gritei tão alto que minha voz superou o barulho geral. O presidente da escola veio falar comigo e disse (cara-de-pau!!!) que "era coisa de palmeirense infiltrado na festa"! É mole?!
O jeito foi ir para a redação e digitar a matéria correndo para fazer o BO do roubo na delegacia do Bom Retiro. Já era noite quando me encontrei com o fotógrafo de um jornal concorrente na delegacia. Ele também estava cobrindo a comemoração e também estava no prejuízo: numa das confusões quebraram a máquina do cara. Ficamos até de madrugada na delegacia porque nosso caso era menos importante que o assassinato de um membro da Gaviões lá mesmo na quadra onde eu estava. Pelo menos já estava com a matéria do dia seguinte na mão. E uma história pra contar na roda de amigos.
Nem isso me fez ter ódio dos corintianos. A tirada do presidente Metaleiro foi ótima. E o um dos poucos sambas-enredos que eu sei de cor é da Gaviões de 1995: "Me de a mão me abraça//viaja comigo pro céu//sou Gavião levanto a taça//com muito orgulho pra delírio da Fiel ...Olha pra mim//abre o teu sorriso//é carnaval, sou o rei do riso//vou gargalhar, quero alegria//lavar a alma com o som da bateria"